O lugar da mulher na sociedade

Foto por June em Pexels.com

Eu tinha 6 anos quando fiz a minha primeira tarefa na escola. A folha da atividade cheirava a álcool (por causa da cópia de folhas que era feita pelo mimeógrafo) e lembro de ficar tensa, com medo de errar (que nesse caso seria escorregar o lápis de cor para fora das margens do figura que eu estava pintando) ou da tia não gostar da tarefa que eu estava fazendo para ela (era isso que passava na minha cabecinha, que seria uma oferta ao outro). No cabeçalho continha o nome da professora, da escola, da cidade, a data e um espaço para escrever o nome do aluno. Sim, aluno, com a letra “o” ao final da palavra. Lembro de ficar um pouco confusa… Talvez porque nessa idade a compreensão da criança seja diferente da do adulto, ela conta com certa rigidez e concretude, então se a mãe diz ao filho que o papai ainda não chegou em casa porque está preso no trabalho, a criança vai visualizar o pai atrás das grades, numa prisão. A criança compreende as coisas do seu mundinho de forma muito literal. Então eu, baixinha invocada, fui reclamar com a “prof”. Muito cuidadosa e rindo discretamente, ela me disse que era assim mesmo, que o aluno se referia a todos os alunos, sendo eles meninos ou meninas. Ok, segui… Depois de alguns dias, percebi uma diferença na folha de tarefa que cheirava a álcool: aluno (a). Um passo adiante, hoje eu diria!

Depois de quase 30 anos, essa lembrança me veio à mente, com as conversas sobre a mudança nos pronunciamentos públicos: “boa noite a todos e a todas”. Algumas pessoas ouvem isso com estranheza e com alguma dúvida a respeito da gramática, se não haveria redundância, já que “todos” incluía, digamos assim, todos rsrs. Evidentemente a gramática precisa ser levada em consideração, mas somente a gramática não contempla a complexa discussão social envolvida nessa mudança.  A tentativa é de incluir a figura feminina. Incluí-la se faz necessário já que em muitas situações ela foi e infelizmente ainda é excluída de cena com facilidade. Sem estranhamento, sem questionamentos. Situações recheadas de desrespeito à mulher acontecem diariamente, repetidas vezes, sem que seja possível refletir minimamente sobre o assunto. Dia desses eu e uma colega estávamos saindo de uma reunião longa que havia começado por volta de 8 horas e se estendeu até 12:00. Cansadas e ainda agitadas diante de tanta demanda de trabalho que teríamos pela frente, seguimos para o carro. Logo o telefone toca e ela atende no viva voz do carro: “alô, oi filho…” Do outro lado, o filho (de 18 ou 19 anos): “mãe, e o almoço?” Minha colega parece não ter desconfiado do que a pergunta do filho representa. Já eu ouvi aquilo com uma estranheza imensa. Pensei cá com meus botões: qual a razão que levou aquele moço que estava em casa a ligar para a mãe que ficou a manhã toda fora, pedindo sobre o almoço?! Seguimos o trajeto com alguma pressa, já que ela tinha que ir para casa logo para amamentar seu bebê… ops, preparar o almoço do filho.

Foto por Ketut Subiyanto em Pexels.com

Outro episódio me chamou atenção: no grupo de Whatsapp alguém enviou uma mensagem (destinada a todos e a todas do grupo) que começava “queridas…” Rapidamente um dos homens se manifestou, dizendo que os queridos também queriam se beneficiar do conteúdo compartilhado. Todos riram. A pessoa se desculpou e a mensagem foi enviada novamente, com as devidas correções: “queridos e queridas…”  

Voltando à minha infância, vejo que meu questionamento era nobre, mas para que pensar nisso?! Era só uma dúvida de criança, né? A mulher adulta que está envolvida com seu trabalho e ainda precisa acelerar a ida pra casa para fazer almoço para o filho (agora supostamente adulto e que tem condições de se organizar diante de sua própria refeição), mas é só um almoço, né? Será que é SÓ isso mesmo?! Será que não estamos reduzindo algo que é muito mais complexo e exige muita reflexão e trabalho da nossa parte diante da posição que a mulher ainda ocupa? Que isso tudo possa gerar reflexões e que um dia possamos ter a voz que o colega do grupo do aplicativo teve, com direito as devidas correções.

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