As ‘conversas de salão’ com suas trivialidades e fofocas me despertam desde tédio, irritação, risadas até devaneios. Como aprecio esmaltar as unhas e também adoro observar o comportamento humano juntei as duas coisas. Tenho por costume agir no salão como se estivesse em uma pesquisa antropológica, me ajuda a entender melhor o humano.
Outro dia no salão escutei algumas mulheres conversando ao lado e entendi que era sobre sexo. Não sei bem como a conversa começou, mas me atentei quando uma delas perguntou:
– O que é um trisal?
– Uma relação a três – responde uma outra, dando o exemplo de alguns amigos
– Mas isso é swing.
– Na nossa época chamava suruba. (Pensei: que nossa época? Essa é nossa época!)
– Credo, existe relação assim?
E a conversa segue nesse ritmo, com expressões de surpresa, rechaço e crítica como: “Deus me livre”, “o mundo está perdido”, “como conseguem?”, “Não aguento um marido imagina dois” etc.
Achei interessante e me senti provocada a falar:
– Um relacionamento a três tem regras, não significa necessariamente que estarão todos juntos fazendo sexo. Pode ser isso também, mas pode não ser.
Recebo pouca atenção e seguem os comentários de repúdio às relações afetivas que não se enquadram no padrão monogâmico e heterossexual, o máximo aceitável seria relação homossexual ‘discreta’, nada espalhafatoso. Dito de outro modo, relações homossexuais nas quais os casais não se toquem no social.
Uma das moças relata que certa vez uma cliente estava conversando com outra ao lado e lhe foi perguntado o que ela fazia, ao que responde prontamente: sou puta. Segue dizendo inclusive que se em algum momento a outra e o marido necessitassem dos serviços de uma profissional para ‘apimentar’ a relação ou souber de alguém que precise poderia entrar em contato com ela, ou seja, estava oferecendo seus serviços. Imediatamente todos à volta se calaram e a que havia perguntado não sabia onde se esconder.

Ali na nossa conversa uma comenta: “Nossa, ela poderia ao menos ter dito que era secretária executiva (profissão usada de forma indevida para falar da profissão de puta, profissional do sexo, garota de programa, prostituta).
Comentei: “Mas ela falou a profissão dela, por que teria que falar outra coisa?”
Obviamente nenhuma das presentes concordou comigo.
Segue a conversa com outra mulher dizendo que em um momento uma amiga lhe perguntou abertamente: “quantas vezes você faz sexo por semana?”
“De todos os problemas que tenho na vida esse não é um deles, fique tranquila!” – respondeu ela, cortando o assunto.
Eu querendo colocar uma ‘pimentinha’ percebendo a dificuldade de todas as presentes em ir ao X da questão, digo:
– Vocês não acham que nós mulheres devíamos falar mais sobre sexo? Se aqui estivesse um grupo de homens eles provavelmente estariam falando sobre o assunto tranquilamente.
Faço uma breve explanação sobre a dificuldade que mulheres tem em discutirem sobre a sexualidade de forma mais aberta e como fomos criadas para sermos moralistas, puritanas, conservadoras, reprimidas, não expressar desejo. Embora vemos algumas mudanças entre as gerações, a repressão à sexualidade feminina ainda é muito forte e presente, e muitas mulheres nem sequer percebem isso.
Ufa! Elas concordam comigo, dizendo que é verdade, os homens estão sempre falando desse assunto entre amigos, sem pudores.
Comento das conversas entre eles nos grupos de telefone e o quanto de material sexual, mulheres peladas, pornografia, eles fazem circular por ali (por hora não falemos do quão ruim também são alguns materiais e alguns problemas por trás disso, quero chamar atenção para a liberdade deles).
Alguém diz: “Verdade! meu marido vive escondendo o celular de nossa filha, apagando as mensagens e fotos.”
Outra diz: “Enquanto eles veem esses materiais nós ficamos trocando receitas, academias, estética.”
Então meninas, não que seja um problema compartilhar culinária, atividades físicas, procedimentos estéticos, mas por que não ficar mais à vontade para falar de um assunto que faz parte de nossas vidas desde sempre? Sexo!
Certa vez ouvi de uma mulher maravilhosa que contava 76 anos na época: “o desejo não envelhece”. Me dizia que seu desejo não havia envelhecido. Comento esse relato no grupo e uma das mulheres com cerca de 40 anos diz: “qual o segredo?”
Respondo: “conhecer o seu desejo”.
Se você escolheu renunciar ao sexo, tudo bem, mas se desistiu por outros motivos não valeria repensar?
Vivemos em um país patriarcal, machista e conservador, onde mulheres ainda são imensamente reprimidas a reconhecer a sua sexualidade e o seu desejo, não conseguem explorar o seu próprio corpo e mesmo estando entre iguais acabam levando a conversa por meio de uma disputa, julgamento, repressão, moralismo.
Conquistar um lugar no social para falar de sexo, de política, de economia, de cultura e muitos outros assuntos têm sido uma luta árdua de algumas mulheres.
Penso que, nós mulheres, devemos nos engajar mais nessas lutas, que nos beneficiam a todas e a todos.
Que tal tentarmos falar mais sobre sexo, orgasmo, masturbação e todos os derivados do assunto?
Espero ter plantado uma sementinha no grupo do salão!
